Na última semana, o mercado chegou a precificar uma taxa Selic superior a 14% ao longo de 2023 por conta de uma “licença para gastar” e risco de desancoragem fiscal por meio da chamada PEC da Transição. Mas será que esse cenário é factível?
Para boa parte dos economistas, grupo no qual me incluo, uma elevação da taxa básica de juros no ano que vem dos atuais 13,75% ainda não é o cenário base, mas também não pode ser descartada. O Boletim Focus desta segunda-feira (21), por exemplo, trouxe um movimento de queda da Selic, mas em menor proporção do que se esperava há algumas semanas. E o motivo disso tem nome e sobrenome: risco fiscal.
Vale lembrar que o Banco Central desde que encerrou o ciclo de alta de juros no Brasil já vinha levantando o debate sobre maiores gastos públicos por conta das eleições e sinalizando que, dependendo do cenário fiscal, poderia voltar a subir juros. Isso foi comunicado claramente pelas atas e documentos da autoridade monetária. E o cenário de risco do BC parece estar se concretizando.
Antes de mais nada, é preciso que algumas questões ainda sejam respondidas para haver mais clareza: como a PEC da Transição passará no Congresso? Quem será o ministro da Fazenda do governo Lula? Essas duas respostas, ainda em aberto, devem trazer mais luz sobre a condução da política econômica e, consequentemente, mais clareza para o investidor conseguir tomar melhores decisões de alocação. Fato é que nesse momento temos um risco maior de haver uma desancoragem fiscal, o que eleva a possibilidade de uma retomada do ciclo de alta de juros no País.
O mercado considerou o texto da PEC da Transição extremamente negativo por dois pontos: quase R$ 200 bilhões fora do teto de gastos e tempo indeterminado para esse valor ser utilizado pelo governo, driblando as regras fiscais vigentes. Isso por si só já representa uma desancoragem fiscal e, caso o texto da PEC não seja alterado – o que não deve acontecer – provavelmente “bateria” na economia de maneira desastrosa, com déficit primário, alta do dólar e pressão na inflação, cenário que já vimos em um passado recente.
Fato é que o Banco Central, num cenário apontado acima, tentará agir para fazer com que a inflação fique ancorada e vá para a meta. Essa é a função da autoridade monetária, e a grande vantagem de termos atualmente um BC independente. E isso foi dito com todas as letras pelo presidente da instituição, Roberto Campos Neto, em um evento realizado pela Bloomberg na semana passada.
O discurso adotado por Campos Neto até aqui me parece bastante adequado: caso estivéssemos num cenário sem questões fiscais envolvidas, o discurso poderia ser visto até mesmo como otimista, já que a inflação está começando a ter uma melhora qualitativa nas palavras do próprio Campos Neto. Se fosse só isso, era certo o corte de juros daqui a alguns meses. No entanto, quando questionado sobre política fiscal, ele mandou uma mensagem clara: se houver desancoragem na inflação por conta do fiscal, o Banco Central irá agir na política monetária. Então se o fiscal puxar para um lado, o BC vai puxar para o outro, ou seja, vai subir os juros. O tempo, e as respostas às questões do mercado nesta transição de governo, irão responder qual força falará mais alto.
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