Que política monetária seria o tema de 2024, todos sabiam. Mas que o cenário sofreria tantos revezes e os ativos tantas reprecificações, isso certamente pegou boa parte do mercado de surpresa.
Ao final de 2023, estimava-se, de forma um tanto quanto exagerada, que o Fed poderia cortar em até 150 bps a sua taxa de juros ao longo de 2024. Conforme os dados foram saindo, o mercado foi ajustando suas expectativas: em março o ciclo total passou a ser de 75bps, em abril, de 25bps, e no começo de maio, havia que não esperasse mais cortes em 2024 – o que foi corrigido depois dos números de inflação. Agora, no meio do mês de maio, o mercado precifica dois cortes de 25bps nos Estados Unidos, o que levaria a taxa dos Fed Funds para a banda entre 4,75% e 5,00%. Ou seja, o tão falado “higher for longer” de fato parece ter virado uma realidade.
Juros mais altos lá fora implicam, provavelmente, em uma Selic terminal maior por aqui. A relação não é mecânica, como bem lembra Roberto Campos Neto, mas o diferencial de juros é relevante para uma economia emergente como a brasileira. Isso, por si só, já seria suficiente para justificar um ciclo mais curto por aqui. Mas, junto a isso, novas variáveis se somaram à equação, e o que se viu ao longo das últimas semanas foram sucessivas revisões, cada vez mais conservadoras, para a Selic de final de ciclo.
Neste sentido, dois pontos merecem destaque e mais que justificam as revisões, tanto na curva, quanto na Pesquisa Focus. O primeiro deles, o risco fiscal, que se deteriorou muito ao longo das últimas semanas. Ao alterar as metas de resultado primário para 2025 e 2026 o governo abriu espaço para gastar mais R$ 160 bilhões, além de mandar um recado: não haverá contingenciamento de despesas até o final de 2026. Isso, em um ano eleitoral, e em um momento em que as pesquisas apontam para queda de popularidade do governo, certamente implicará em mais gastos. Seja como for, esta é uma variável que a autoridade monetária não controla, e que, ao mesmo tempo, tira sua liberdade: quanto menor a responsabilidade fiscal, maior a pressão nas expectativas de inflação e menos o Copom pode cortar juros.
O segundo ponto, que também não está nas mãos do Banco Central, são as incertezas em relação à condução da política monetária em 2025. Neste sentido, a divisão entre os diretores na última decisão do Copom antecipou uma discussão que naturalmente aconteceria no segundo semestre: teremos um BC mais leniente com a inflação a partir de 2025? Afinal, os membros que votaram por um corte maior, de 50bps, são justamente os que foram indicados pelo atual governo – e que serão maioria a partir de janeiro de 2025. Esta dúvida, que por ora não passa de um desconforto, também deteriora expectativas de inflação e tira liberdade da política monetária.
Em resumo, não seria exagero dizer que o que já estava incerto, por conta da deterioração do cenário internacional, piorou: o risco fiscal, somado aos temores de um futuro BC mais leniente com a inflação, tem feito com que o mercado reprecificasse suas expectativas de política monetária. Há quem diga, inclusive, que o ciclo de cortes já acabou. Do nosso lado, entendemos que a inflação ainda benigna e o mercado de crédito melhorando, mas ainda apertado, seguem justificando a continuidade dos cortes. Junto a isso, a curva lá fora voltou a precificar que o Fed poderia começar os cortes em setembro, o que favoreceria o afrouxamento por aqui. Seja como for, não há dúvidas de que, cada vez mais, os dados futuros e as condições políticas serão essenciais para a condução da política monetária, e certamente teremos uma Selic mais alta do que se imaginava há poucas semanas.
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