O que estamos presenciando neste momento na Bolsa de Valores brasileira, que cai cerca de 8% em 2024, é um claro efeito manada na visão de João Braga, sócio-fundado e gestor de ações da Encore Asset Management. Ou seja, há um movimento irracional de grande parte dos investidores brasileiros para a venda de ativos de risco que estão, segundo ele, em patamares mais baratos do que em janelas como a pandemia de covid-19 e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Assim, um dos pilares dos investimentos que é “comprar na baixa e vender na alta” não está sendo colocado em prática. Pelo contrário.
Confira abaixo a entrevista completa com João Braga:
B.Side Investimentos – Você falou recentemente sobre a diferença no comportamento do investidor brasileiro ao olhar para títulos públicos e para a Bolsa de Valores em momentos de estresse. Poderia comentar sobre isso, por gentileza?
João Braga – É exatamente isso. Os investidores olham como uma oportunidade clara quando um título público atinge o patamar de IPCA + 6%, enquanto quando a Bolsa cai todo mundo odeia. Olhei uma pesquisa recentemente de uma instituição financeira de que, neste momento, 19% dos clientes querem aumentar posição em Bolsa, enquanto 21% querem diminuir. Ou seja, tem mais gente querendo vender ações do que comprar nesse nível. Por qual motivo na NTN-B é o oposto? Acontece porque é possível calcular no site do Tesouro Direto qual será o retorno. Então, o viés cognitivo enxerga como uma oportunidade ao olhar o gráfico e ver que historicamente é um bom momento. Já na Bolsa é ao contrário. Quando ela começa a cair, o investidor prevê que aquele movimento de queda continuará acontecendo. Se existisse uma forma de ver a Bolsa não em pontos, mas em upside a pessoa também ficaria mais otimista em comprar. Mas é uma conta difícil, tenho aqui 10 analistas para fazer conta todos os dias. Eu, particularmente, gosto quando a Bolsa cai, já que consigo encontrar mais oportunidades. Para mim o risco é menor. As pessoas têm a percepção de quando a Bolsa cai o risco aumenta e é totalmente o oposto disso. O risco diminui.
B.Side Investimentos – Vemos há algum tempo diversos gestores afirmando que o Ibovespa está com múltiplos baratos. Mas o quão barata está a Bolsa brasileira?
Braga – Você vê o SMLL (índice de small caps) desabando 18% no ano e pode pensar: ‘as empresas estão muito indo muito mal’. Muito pelo contrário. As empresas estão revisando seus números para cima. No último trimestre, o balanço das companhias deixou isso muito claro, já que os resultados foram bons. Assim, o lucro vai para cima e a Bolsa para baixo. Então o múltiplo (P/E) está caindo ainda mais. E isso para mim não faz o menor sentido. Porque o denominador está melhorando. Quando você traça o gráfico histórico, você enxerga que a Bolsa está mais barata do que na época da pandemia de covid-19 e do impeachment da Dilma, período este que tivemos a maior recessão da história do Brasil, quando o PIB caiu 8%. A Bolsa está mais barata agora e é uma oportunidade imperdível, na minha opinião.
B.Side Investimentos – O que pode ocasionar uma melhora da Bolsa?
Braga – Para uma melhora, vejo triggers (gatilhos) muito relevantes para isso acontecer. Há três anos estamos enfrentando um mundo inteiro subindo juros ao mesmo tempo. E agora estamos próximos de um momento em que todo mundo começará a cortar juros ao mesmo tempo, principalmente os Estados Unidos. Para isso, vemos uma melhora nas condições econômicas no último mês, como a inflação americana, o índice de desemprego americano e o índice de confiança. Além disso, há um trigger local, com a percepção de melhora da crise política. Como o mercado é uma máquina de antecipar expectativas futuras, se houvessem triggers muito claros de que iria melhorar, a Bolsa já estaria subindo e não teríamos essa oportunidade de compra tão barata.
B.Side Investimentos – Qual paralelo podemos fazer entre a época do segundo mandato de Dilma e o atual, conforme você citou acima?
Braga – Esse trigger da melhora da percepção fiscal mudou. Há pessoas mais céticas e outras menos céticas. Coloco como uma virada de chave o dia em que o empresário Rubens Ometto criticou o governo. Até este dia do Ometto para trás ninguém falava sobre corte de gastos no governo. Depois disso, começar a ouvir pela primeira vez membros do governo falarem sobre corte de gastos. Haddad falou, a Tebet falou, até o Lula do jeito dele está falando sobre isso. Claramente mudaram o discurso e talvez tenha chegado no limite até para eles. Isso é muito relevante, na minha opinião.
Se formos fazer um paralelo com Dilma 2, muita gente acha que a forte valorização da Bolsa em 2016 foi por causa do impeachment. E é óbvio que foi relevante. Mas o motivo da forte alta foi commodity, com as melhoras do minério de ferro e do petróleo. Agora não, estamos com condições boas, petróleo em patamares elevados, gerando um caixa absurdo para Petrobras e PetroRio, por exemplo. As commodities agrícolas já tiveram seu low mas se recuperaram. A situação está muito melhor do que naquela época. Existe um medo que não pode ser subestimado sobre o cenário fiscal. Em 2016, tínhamos uma dívida bruta/PIB beirando 50% e agora está próximo de 80%.
B.Side Investimentos – Lá fora, vemos os índices S&P 500 e Nasdaq batendo recordes atrás de recordes. Como explicar esse descolamento local e externo?
Braga – Olhamos para S&P e Nasdaq e vemos altas expressivas, mas na verdade a bolsa americana está escondendo um número curioso. Ela está overbought e oversold ao mesmo tempo. Você tem cinco ações que estão indo super bem e o resto não. O S&P equal weight (índice de ponderação equitativa que inclui os mesmos componentes que seus respectivos índices ponderados por capitalização de mercado) está subindo 4% no ano, não 15%. O Russell, de small caps, está no zero a zero. Você pega o lucro das empresas, a revisão do lucro ao longo do ano, dessas cinco ações foi de +38%, dos outros 495 papéis do S&P foi -5%, também corroborando com a visão de que a atividade econômica por lá está fraca. Então, se lá corrigir com essas cinco ações principais indo para baixo, mas o resto melhorando, o Brasil sobe, não cai. Quando eu olho valuation lá fora não vejo nenhuma bolha. Também não tem grandes motivos para as bolsas de lá caírem.
B.Side Investimentos – Outro ponto apontado para o desempenho da Bolsa é a falta de fluxo. Como você enxerga essa falta de volume?
Braga – Esse realmente é um ponto importante, porque só temos R$ 150 bilhões de volume em 2024. Isso não tem como prever, nem eu nem ninguém. Mas é normal que haja saídas, porque no final do ano passado os juros de 10 anos dos EUA chegaram a 3,80%. Hoje, estava 4,25%, mas chegou a bater 4,70%. Então os juros subiram e é natural que haja um fluxo rápido que vai sair daqui e vai para lá. Quando os juros caírem tende a acontecer um movimento inverso. Em novembro e dezembro, entrou no Brasil cerca de R$ 40 bilhões quando os juros lá caíram. Essas coisas viram muito rápido, e não dá para antecipar ou prever. Você já tem que estar posicionado antes.
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