Em entrevista coletiva dada há pouco no Palácio do Planalto, o Ministro Fernando Haddad começou a detalhar as medidas do plano de corte de gastos. O detalhamento, num primeiro momento, ainda é superficial, e talvez isso explique a recepção inicial do mercado.
O começo da fala de Haddad trouxe uma preocupação em tentar dissipar a má repercussão do anúncio da isenção do IR para quem ganha até R$ 5mil reais – que ontem trouxe enorme preocupação aos mercados. O ministro fez questão de reforçar que a medida será neutra do ponto de vista fiscal, já que será compensada por um aumento da tributação entre os que ganham acima de R$ 50 mil. Pela primeira vez, ainda, foi apresentado um número do governo sobre o impacto da isenção, que seria de R$ 35bi. Além disso, Haddad disse que a ideia seria que a medida passasse a valer a partir de janeiro de 2026.
O problema: apesar de reforçar na sua fala que a medida pressupõe uma neutralidade tributária, já que viria acompanhada de uma compensação, não está claro, em números, como isso aconteceria. Além disso, esta neutralidade conta com uma aprovação no Congresso tanto da isenção para quem ganha até R$5mil, quanto do aumento de impostos para quem ganha acima de R$ 50 mil, uma questão delicada e que pode, sim, resultar em menos receita para o governo.
Falando das medidas de corte de gastos propriamente ditas, o anúncio contou com medidas estruturais e com um pouco mais de detalhe do que se teve ontem, em seu pronunciamento protocolar.
Seguem os principais pontos:
Salário Mínimo: a regra de reajuste do mínimo continua a mesma (corrigido pelo PIB defasado de 2 anos + Inflação), porém agora limitado à faixa do Arcabouço Fiscal, ou seja, com um teto de crescimento de 2,5%. Isso tende a representar uma economia de aproximadamente R$ 4 bi em 2025 e de R$ 10 bi em 2026.
BPC: o programa será adequado ao texto constitucional, com o intuito de dar mais clareza ao programa e proteger os que são protegidos pelo texto. Detalhes serão dados pela equipe técnica.
Abono salarial: Hoje o abono salarial é pago a quem ganha até R$ 2.640,00 (ou, 2 salários mínimos). Este valor será corrigido pela inflação e vai gradualmente convergir para o valor de 1,5 salário mínimo. Ideia é fazer uma transição gradual, mas que trará cortes estruturais.
Programas Sociais: Programas sociais, como o Bolsa Família, passarão por um novo pente fino para evitar fraudes.
Forças Armadas: Fim da morte ficta, fim da transferência de pensão e estabelecimento de uma idade mínima para a ida para a reserva.
Retomada do debate sobre super salários: este ponto foi mais uma promessa do que algo de fato que pareça já estar planejado.
Fundeb: parte do Fundeb será necessariamente usado para um programa que já existe, o ensino em tempo integral. Além disso, o programa Pé de Meia, que não integrava o orçamento a educação, passa a fazer parte dele.
Vale Gás: Será incorporado ao orçamento.
Pró Agro: entrará no regime oficial de orçamento da União. Hoje o programa é gerido pelo Banco Central, e há um descasamento grande entre o autorizado e o orçado.
- IMPACTO DO PACOTE:
R$ 71,6 bilhões entre 2025 e 2026
R$ 327 bilhões entre 2025 e 2030.
O que achamos
Embora ainda falte detalhes, que serão dados posteriormente pela equipe técnica, o pacote inclui, de fato, medidas de cortes estruturais, com valores dentro do esperado pelo mercado. Este é um ponto positivo.
Qual foi, então, o problema, que fez com que o mercado reagisse imediatamente tão mal?
A nosso ver, o governo errou ao misturar dois assuntos que deveriam ter sido apresentados em momentos distintos: após longas semanas de espera por um anúncio de corte de gastos, este anúncio veio acompanhado e ofuscado pela desoneração do IR para quem ganha até R$ 5 mil, ou seja, por uma medida que implica em abrir mão de receita. A impressão que se passa é a de um governo pouco comprometido com a austeridade das contas públicas.
Adicionalmente, a forma como o IR será compensado também é uma questão nebulosa. A Fazenda mostrou, sim, os números. Mas a fala sobre como a compensação será feita foi bastante genérica, o que deixa o mercado cético sobre seu cumprimento.
Por fim, mas não menos importante, os valores apresentados pela equipe econômica ainda parecem insuficientes para gerar um superávit primário suficiente para estabilizar a dívida. Para o cumprimento da meta fiscal de 2025 seria necessário algo perto de R$ 45 bilhões, o que significa que bloqueios no orçamento ainda serão necessários.
Em resumo: o pacote passa de ano, mas ligar ele à isenção de IR foi um tiro no pé dado pelo governo. A primeira reação do mercado foi ruim, mas detalhamentos mais profundos podem reverter em parte este impacto. A nosso ver, o fator decisivo será, de fato, como será feita a compensação da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil.
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