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Ponto de vista

Mudanças na estratégia do Tesouro e a curva de juros no Brasil

Mudanças na estratégia do Tesouro e a curva de juros no Brasil
Ben Bernanke

O que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) poderia ter feito durante a Grande Depressão dos anos 1930, em termos de política monetária, para impulsionar a atividade econômica e evitar o colapso do sistema financeiro? Para Benjamin Bernanke, ex-presidente do Fed durante a crise de 2008, a resposta estaria no Banco Central tentar de alguma forma derrubar os yields com vencimento acima de 5 anos, achatando a curva de juros, no momento em que a economia estivesse numa fase difícil e não respondesse a estímulos, mesmo com o Fed levando a taxa para zero.

A tese de Bernanke representa sua dissertação de Ph.D no MIT, intitulada de “Long-term commitments, dynamic optimization and the business cycle” (ou “comprometimento de longo prazo, otimização dinâmica e ciclo de negócios”, na tradução livre).

Sua explicação é de que os bens que “relançam” a economia — ou seja, que estimulam o crescimento do PIB potencial através do aumento de produtividade, são os bens duráveis (como máquinas e equipamentos) — os quais requerem crédito de um prazo de médio e longo. Então, se o crédito de longo prazo deverá ser intensamente utilizado para que a demanda de bens duráveis e, consequentemente, a produção “relancem” a economia, é preciso baratear o custo deste crédito.

Hoje, se um indivíduo requisitar um crédito de 7 anos para comprar uma casa, o banco vai primeiramente analisar seu custo de oportunidade. Se considerarmos atualmente uma NTN-F (Letra do Tesouro Nacional Pré-fixada com Juros Semestrais) com vencimento em 2031 e duration em torno de 7,2 anos, por exemplo, seu custo de oportunidade está em torno de 7,90% a.a. Assim, o banco não irá cobrar a taxa Selic (hoje em 2,00% a.a.), nem os 7,90% a.a., mas, sim, os 7,90% a.a. somado a uma parcela referente ao risco que essa operação representa, podendo passar facilmente dos 10% a.a..

Portanto, o Banco Central quer que as taxas caiam, e, para isso, os preços dos títulos devem subir, o que acontece quando há uma demanda maior que a oferta. Então, como o Tesouro reage é comprando títulos de médio e longo prazo (acima de 5 anos), fazendo os preços subirem e as taxas de médio e longo prazo caírem.

No entanto, o Tesouro não pode simplesmente sair comprando título sem emitir dívida, ainda mais na situação fiscal extremamente crítica que o Brasil se encontra. Assim, para viabilizar a compra de títulos de longo prazo, o Tesouro vende mais títulos de curto prazo (maior oferta, menor preço), fazendo com que as taxas subam, achatando a curva de juros.

Essa operação, em que o Banco Central busca aumentar as taxas de curto prazo e diminuir as de longo prazo, ou vice-versa, é conhecida como Twist. De acordo com especialistas, esta operação só deve ser implementada quando não há mais espaço para políticas monetárias tradicionais, com a taxa básica de juros no lower bound, uma vez que o Twist pode causar distorções na precificação de risco de um país (ao tirar prêmio de risco da curva de longo prazo, esse risco pode acabar se manifestando de outras formas, como no câmbio).

Tendo em vista a dificuldade de vender títulos de longo prazo para financiar as dívidas vencendo nos próximos meses e cenário de deterioração fiscal, foi exatamente essa estratégia que o Tesouro começou a adotar na semana passada, quando em 09/10, o Tesouro anunciou a emissão de de LTN e LTFs mais curtas, gerando um efeito positivo na curva de juros de longo prazo, com a diminuição das taxas longas.

No entanto, esse otimismo durou pouco. Em 15 de outubro, no primeiro leilão após a mudança de estratégia, apenas 38% da oferta de 1 milhão de LFTs/2022 foi vendido, ampliando alertas para a crise da dívida pública e desafiando o Tesouro a enfrentar vencimentos pesados no início de 2021 (R$ 643 bilhões entre janeiro e abril — mais que o dobro da média registrada nos últimos 5 anos) — o que acabou estressando o mercado e abrindo a curva de longo prazo.

No dia 22 de outubro, o Tesouro realizou um novo leilão, porém, reduzindo a oferta de LTN e aumentando a de NTN-F, colocando um risco no mercado menor do que o anterior, porém, pressionando os trechos mais longos, o que também foi impulsionado pela abertura das curvas no mundo, atrelado ao aumento das taxas dos US Treasuries. No dia 23, o salto do IPCA-15 de outubro, acrescentando pressões inflacionárias aos riscos fiscais causou uma alta ainda maior nos juros futuros, com chances de 65% de o Copom subir a Selic até o final de 2020.

Este movimento de juros pode ser identificado no gráfico a seguir, que demonstra a evolução da curva de TTJ — IPCA.

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Se haverá uma consolidação fiscal, que acalmaria a curva de juros e o mercado, se o governo abandonará o forward guidance diante de um possível aumento na inflação para aumentar a Selic, ou se o Banco Central abandonará o regime de metas de inflação com o Tesouro não conseguindo rolar a dívida, são cenas quentes do próximo capítulo…

Bons negócios!

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